Opinião: "Os novos reaccionários"
Em Portugal ser reaccionário voltou a estar na moda. Basta ler alguns velhos rezingões que por aí escrevem a destilar ódio e frustração e uns quantos jovens que fazem carreira semanal a exibir cinismo e xenofobia.
Estes novos reaccionários não são diferentes dos antigos, os chamados velhos do Restelo. Só que são muito mais agressivos e também mais bem colocados.
São directores de jornal, comentadores, políticos proeminentes.
Houve um tempo em que um jovem para chatear os pais vestia uma camisola com a cara do Che e erguia o punho. Hoje, com o mesmo fim, põe uma gravata, apoia o Bush e bate palmas quando países inteiros são demolidos. Não vejo grande diferença. Aliás muita desta gente que hoje advoga a barbárie em nome da defesa do mundo ocidental, já a defendia também quando militavam contra ele. Muitos passaram directamente do maoismo e da extrema-esquerda para o bushismo. Deram um grande salto para só ficar no mesmo sítio. A servir, como sempre, a causa do fanatismo, da intolerância e do ódio à liberdade.
E a liberdade é mesmo o que está em causa. Para esta gente não há lugar para o pensamento livre e plural. Basta ver como por estes dias de guerra ser pacifista se tornou de novo um insulto. Aqueles que não alinham nas soluções bélicas são apontados como ingénuos, quando não agentes dos inimigos reais e imaginados. Esta gente gosta de matanças e engorda com o medo.
Para eles o mundo reduz-se a nós ou eles, a bons ou maus. Não admitem a possibilidade de se pensar e agir de outra maneira, rejeitando as duas únicas opções, ambas intoleráveis, que dizem estar em jogo. Como se eu tivesse de escolher entre Saddam e a invasão do Iraque; Israel e o Hezbollah; Fidel e a CIA. Como se não fosse possível que tantos de nós, e julgo mesmo que a maioria, não os detestasse a todos, Saddam, Bush, o belicismo sionista, o fanatismo muçulmano, a ditadura cubana, a máfia cubana e tantos outros que contribuem para a infelicidade deste mundo. Trata-se aliás de uma chantagem velha e conhecida. Quando a realidade se divide em dois únicos campos abrem-se as portas para as maiores tragédias. E para o domínio dos piores facínoras.
O mundo não é linear nem nunca o foi. Mesmo quando era fácil acusar de comunista quem no ocidente discordava do governo, ou de traidor quem do outro lado se opunha à ditadura. Na verdade, para lá da geometria sempre esteve e continua a estar presente uma noção do bem e do mal. Toda a gente sabe que dar um pontapé num cão é uma maldade. Toda a gente sabe que largar bombas em cima de uma aldeia ou uma cidade é um crime. Toda a gente sabe que entrar num café e fazer-se explodir é uma atrocidade. Nada, em nenhuma circunstância, justifica nenhuma destas acções. Basta perguntar a uma criança. Ou a um ser humano digno desse nome.
Mas por detrás das falácias e das grandes estratégias de pacotilha, e esta gente é fértil nelas, dão conselhos ao Bush, apontam no mapa onde se deve bombardear a seguir e por aí fora, encontra-se um grave problema de bílis. Quando encaram a realidade vem-lhes logo um gosto amargo à boca. Abjuram uma sociedade livre de preconceitos e relações humanas baseadas na igualdade. Cada iniciativa social ou governamental que vise melhorar os sistemas ou as condições de vida logo merecem o seu repúdio. Abominam a tecnologia. Não há semana, por exemplo, que não alertem para os perigos da Internet que gostariam de controlar. Censuram as liberdades individuais. Odeiam de morte os homossexuais, os de outra cor de pele, os com outra cultura e gostos. Desconfiam do conhecimento afirmando que a educação não faz melhores cidadãos. Esquecendo que a falta de educação os faz muito piores. São nacionalistas quando lhes dá jeito e pró-globalização quando lhes convém. Têm asco ao cosmopolitismo, multiculturalismo e a uma efectiva globalização cultural, política e económica. Nos tempos livres insultam os holandeses por nesse país a venda da marijuana ser livre, contam anedotas racistas, amesquinham os ambientalistas. Não sendo todos homens, por junto, eles e elas, adoram fazer comentários misóginos. E quanto à cultura execram-na como seria de esperar. E depois há um assunto que nunca deixa de os perturbar: o passado. Nunca perdem uma boa oportunidade para afirmar que o fascismo nunca existiu. Enfim, os novos reaccionários detestam todas as coisas boas da nossa sociedade, a liberdade, a tolerância, a iniciativa, a criatividade. E valorizam tudo o que ela tem de mau, o autoritarismo, a intolerância, o poder do mais forte, a submissão.
Portugal não é o país avançado que todos desejaríamos, mas muitos dos seus cidadãos, pobres e ricos, cultos e analfabetos, batem-se todos os dias para o tornar melhor. Esta gente não. Querem-nos amarrar a todos os desastres da história actual. Querem impedir o mais pequeno avanço cultural e civilizacional. Vivem atormentados com as liberdades. São no fundo o pior inimigo de uma sociedade que não sendo ideal tem pelo menos o mérito de ser livre, empreendedora e pacífica. Por isso, num comentário apropriado ao tema, eu por mim pegava nesta gente toda e mandava-a para o Iraque ou para o Líbano lutar pela democracia que dizem defender. Porque essa não é definitivamente a minha democracia nem seguramente a que melhor serve os interesses dos portugueses e europeus que somos. Até porque como dizia Saint-Juste: não queremos a felicidade no paraíso, queremos já na segunda-feira. E já agora sem ter de cortar cabeças acrescentaria eu.
Leonel Moura
Estes novos reaccionários não são diferentes dos antigos, os chamados velhos do Restelo. Só que são muito mais agressivos e também mais bem colocados.
São directores de jornal, comentadores, políticos proeminentes.
Houve um tempo em que um jovem para chatear os pais vestia uma camisola com a cara do Che e erguia o punho. Hoje, com o mesmo fim, põe uma gravata, apoia o Bush e bate palmas quando países inteiros são demolidos. Não vejo grande diferença. Aliás muita desta gente que hoje advoga a barbárie em nome da defesa do mundo ocidental, já a defendia também quando militavam contra ele. Muitos passaram directamente do maoismo e da extrema-esquerda para o bushismo. Deram um grande salto para só ficar no mesmo sítio. A servir, como sempre, a causa do fanatismo, da intolerância e do ódio à liberdade.
E a liberdade é mesmo o que está em causa. Para esta gente não há lugar para o pensamento livre e plural. Basta ver como por estes dias de guerra ser pacifista se tornou de novo um insulto. Aqueles que não alinham nas soluções bélicas são apontados como ingénuos, quando não agentes dos inimigos reais e imaginados. Esta gente gosta de matanças e engorda com o medo.
Para eles o mundo reduz-se a nós ou eles, a bons ou maus. Não admitem a possibilidade de se pensar e agir de outra maneira, rejeitando as duas únicas opções, ambas intoleráveis, que dizem estar em jogo. Como se eu tivesse de escolher entre Saddam e a invasão do Iraque; Israel e o Hezbollah; Fidel e a CIA. Como se não fosse possível que tantos de nós, e julgo mesmo que a maioria, não os detestasse a todos, Saddam, Bush, o belicismo sionista, o fanatismo muçulmano, a ditadura cubana, a máfia cubana e tantos outros que contribuem para a infelicidade deste mundo. Trata-se aliás de uma chantagem velha e conhecida. Quando a realidade se divide em dois únicos campos abrem-se as portas para as maiores tragédias. E para o domínio dos piores facínoras.
O mundo não é linear nem nunca o foi. Mesmo quando era fácil acusar de comunista quem no ocidente discordava do governo, ou de traidor quem do outro lado se opunha à ditadura. Na verdade, para lá da geometria sempre esteve e continua a estar presente uma noção do bem e do mal. Toda a gente sabe que dar um pontapé num cão é uma maldade. Toda a gente sabe que largar bombas em cima de uma aldeia ou uma cidade é um crime. Toda a gente sabe que entrar num café e fazer-se explodir é uma atrocidade. Nada, em nenhuma circunstância, justifica nenhuma destas acções. Basta perguntar a uma criança. Ou a um ser humano digno desse nome.
Mas por detrás das falácias e das grandes estratégias de pacotilha, e esta gente é fértil nelas, dão conselhos ao Bush, apontam no mapa onde se deve bombardear a seguir e por aí fora, encontra-se um grave problema de bílis. Quando encaram a realidade vem-lhes logo um gosto amargo à boca. Abjuram uma sociedade livre de preconceitos e relações humanas baseadas na igualdade. Cada iniciativa social ou governamental que vise melhorar os sistemas ou as condições de vida logo merecem o seu repúdio. Abominam a tecnologia. Não há semana, por exemplo, que não alertem para os perigos da Internet que gostariam de controlar. Censuram as liberdades individuais. Odeiam de morte os homossexuais, os de outra cor de pele, os com outra cultura e gostos. Desconfiam do conhecimento afirmando que a educação não faz melhores cidadãos. Esquecendo que a falta de educação os faz muito piores. São nacionalistas quando lhes dá jeito e pró-globalização quando lhes convém. Têm asco ao cosmopolitismo, multiculturalismo e a uma efectiva globalização cultural, política e económica. Nos tempos livres insultam os holandeses por nesse país a venda da marijuana ser livre, contam anedotas racistas, amesquinham os ambientalistas. Não sendo todos homens, por junto, eles e elas, adoram fazer comentários misóginos. E quanto à cultura execram-na como seria de esperar. E depois há um assunto que nunca deixa de os perturbar: o passado. Nunca perdem uma boa oportunidade para afirmar que o fascismo nunca existiu. Enfim, os novos reaccionários detestam todas as coisas boas da nossa sociedade, a liberdade, a tolerância, a iniciativa, a criatividade. E valorizam tudo o que ela tem de mau, o autoritarismo, a intolerância, o poder do mais forte, a submissão.
Portugal não é o país avançado que todos desejaríamos, mas muitos dos seus cidadãos, pobres e ricos, cultos e analfabetos, batem-se todos os dias para o tornar melhor. Esta gente não. Querem-nos amarrar a todos os desastres da história actual. Querem impedir o mais pequeno avanço cultural e civilizacional. Vivem atormentados com as liberdades. São no fundo o pior inimigo de uma sociedade que não sendo ideal tem pelo menos o mérito de ser livre, empreendedora e pacífica. Por isso, num comentário apropriado ao tema, eu por mim pegava nesta gente toda e mandava-a para o Iraque ou para o Líbano lutar pela democracia que dizem defender. Porque essa não é definitivamente a minha democracia nem seguramente a que melhor serve os interesses dos portugueses e europeus que somos. Até porque como dizia Saint-Juste: não queremos a felicidade no paraíso, queremos já na segunda-feira. E já agora sem ter de cortar cabeças acrescentaria eu.
Leonel Moura
9 Agosto 2006
Artigo do: Jornal de Negócios
Artigo do: Jornal de Negócios
2 Comments:
Pois é, mas é o mundo em que vivemos.
bjs
É o mundo em que vivemos mas é sempre bom saber que ainda co-habitamos com seres iluminados como este senhor Leonel Moura. É pena é ser tão dificil conseguir alguma luz quando os senhores do poder insistem em deixar o povo às escuras.
Tommy :)
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