A despenalização da droga
Personalidades de público relevo têm-se ultimamente vindo a pronunciar favoravelmente sobre a despenalização da droga.
Convém antes de mais ver o que se pretende despenalizar. Quanto ao consumidor de droga, encarado como um doente, o sistema penal em vigor actua numa função preventiva, com um brando quadro penal, pelo que se deve considerar o consumo despenalizado, pelo menos de forma mitigada. Assim, o que se pretende despenalizar é o tráfico de droga, como forma de eliminar a criminalidade. Tal criminalidade só é eliminada, obviamente, nas drogas ilícitas, pois e quanto às lícitas a sua comercialização já não constitui crime.
Não há um critério, universalmente aceite, de divisão entre drogas legais e ilegais e assim o que é ilegal num país pode ser legal noutro, vejamos:
O consumo de álcool faz parte da cultura mediterrânica, mas é proibido em muitos países muçulmanos, sofrendo limitações nos países do Norte da Europa. Os Estados Unidos tentaram, sem êxito, abolir o consumo do álcool (Lei Seca), na década de 30.
Quanto ao ópio, os opiatos foram, durante o século XIX, amplamente usados na fabricação de medicamentos. O contrabando do ópio era no século XIX, a fonte de grandes rendimentos da todo-poderosa Companhia das índias Orientais nos negócios com a China. O imperador chinês, ao ver os desastrosos efeitos morais, políticos e económicos do consumo do ópio, inicia uma política persecutória contra este, procedendo à apreensão e destruição de grandes quantidades de ópio, que a Companhia da índias Orientais colocara na China. A Inglaterra reagiu. iniciando a chamada "guerra do ópio".
A China é derrotada, pagando à Inglaterra pesadas indemnizações pecuniárias pelo tratado anglo-chinês de Nanquim de 1841, entregando ainda a ilha de Hong-Kong à Inglaterra e abrindo alguns portos chineses ao comércio com esta, nomeadamente para a importação do ópio, então produzido na Índia, na província de Bengala. Após a guerra do ópio (1839 a 1842) o consumo de ópio triplicou na China. Actualmente, o consumo de ópio e seus derivados (morfina, heroína etc.) é universalmente proibido.
O álcool, o ópio e a cocaína são considerados por Freud os três flagelos da humanidade.
A cocaína é uma substancia de ocorrência natural, extraída da folha da planta sul-americana chamada coca, que os índios mascam há centenas de anos como forma de vencer a fadiga, o que ocorre sem problemas significativos. A cocaína foi usada livremente até princípios deste século chegando mesmo até 1903 a ingrediente de um refrigerante americano destinado a ter fama mundial: a Coca-Cola. O uso da cocaína, em versões sintetizadas (pó) e portanto altamente concentradas, provoca doença mental aguda semelhante ao "delirium tremens" alcoólico.
Exemplo típico de droga legal é o tabaco introduzido na Europa como erva medicinal. 0 tabaco, a erva do diabo, teve uma ascensão vitoriosa, vencendo com êxito a oposição que lhe fez Jaime I, de Inglaterra ou os czares Romanoff, na Rússia, que puniam com açoites e exílio na Sibéria a posse, uso ou venda do tabaco.
No século XVIII, e por toda a parte, era já pacífica a vitória do tabaco. Em fins do século XIX, é inventada a máquina de fazer cigarros, que é a mais destrutiva forma de uso de tabaco, fazendo subir o consumo de milhões para biliões de cigarros. Companhias poderosas e sofisticadas campanhas de "marketing" expandiram o consumo do tabaco aos mais remotos lugares.
Não falta quem ao álcool e ao tabaco pretenda juntar no quadro das drogas legais o cânhamo da índia (cannabis sativa), também conhecido por "maconha, erva, haxixe, bengue, birra, fumo de Angola, pongo, soruma, etc.". Não falta quem invoque que os seus riscos não são maiores para a saúde do que os do tabaco ou do álcool, pelo que, e em bases iguais, deveria ser permitida.
As drogas legais não são inofensivas e as pessoas que (legalmente) as vendem não são de moralidade angelical. Já vimos que a ambição do lucro da Companhia das índias Orientais impôs à China o consumo do ópio, chegando a, para tal, à solução extrema da guerra. As companhias de tabaco, com agressivas e dispendiosas campanhas publicitárias, e evidente desprezo pela saúde pública, fomentam igualmente o consumo de tabaco. A grande chaga actual é ainda o alcoolismo, pois, embora sem a agressividade das drogas ditas duras, a sua divulgação e facilidade de obtenção, com grande enraizamento cultural, criaram milhões de alcoólicos.
Guerra da Mota
Advogado de Matosinhos
Notícia em: Jornal de Notícias (1997)
Convém antes de mais ver o que se pretende despenalizar. Quanto ao consumidor de droga, encarado como um doente, o sistema penal em vigor actua numa função preventiva, com um brando quadro penal, pelo que se deve considerar o consumo despenalizado, pelo menos de forma mitigada. Assim, o que se pretende despenalizar é o tráfico de droga, como forma de eliminar a criminalidade. Tal criminalidade só é eliminada, obviamente, nas drogas ilícitas, pois e quanto às lícitas a sua comercialização já não constitui crime.
Não há um critério, universalmente aceite, de divisão entre drogas legais e ilegais e assim o que é ilegal num país pode ser legal noutro, vejamos:
O consumo de álcool faz parte da cultura mediterrânica, mas é proibido em muitos países muçulmanos, sofrendo limitações nos países do Norte da Europa. Os Estados Unidos tentaram, sem êxito, abolir o consumo do álcool (Lei Seca), na década de 30.
Quanto ao ópio, os opiatos foram, durante o século XIX, amplamente usados na fabricação de medicamentos. O contrabando do ópio era no século XIX, a fonte de grandes rendimentos da todo-poderosa Companhia das índias Orientais nos negócios com a China. O imperador chinês, ao ver os desastrosos efeitos morais, políticos e económicos do consumo do ópio, inicia uma política persecutória contra este, procedendo à apreensão e destruição de grandes quantidades de ópio, que a Companhia da índias Orientais colocara na China. A Inglaterra reagiu. iniciando a chamada "guerra do ópio".
A China é derrotada, pagando à Inglaterra pesadas indemnizações pecuniárias pelo tratado anglo-chinês de Nanquim de 1841, entregando ainda a ilha de Hong-Kong à Inglaterra e abrindo alguns portos chineses ao comércio com esta, nomeadamente para a importação do ópio, então produzido na Índia, na província de Bengala. Após a guerra do ópio (1839 a 1842) o consumo de ópio triplicou na China. Actualmente, o consumo de ópio e seus derivados (morfina, heroína etc.) é universalmente proibido.
O álcool, o ópio e a cocaína são considerados por Freud os três flagelos da humanidade.
A cocaína é uma substancia de ocorrência natural, extraída da folha da planta sul-americana chamada coca, que os índios mascam há centenas de anos como forma de vencer a fadiga, o que ocorre sem problemas significativos. A cocaína foi usada livremente até princípios deste século chegando mesmo até 1903 a ingrediente de um refrigerante americano destinado a ter fama mundial: a Coca-Cola. O uso da cocaína, em versões sintetizadas (pó) e portanto altamente concentradas, provoca doença mental aguda semelhante ao "delirium tremens" alcoólico.
Exemplo típico de droga legal é o tabaco introduzido na Europa como erva medicinal. 0 tabaco, a erva do diabo, teve uma ascensão vitoriosa, vencendo com êxito a oposição que lhe fez Jaime I, de Inglaterra ou os czares Romanoff, na Rússia, que puniam com açoites e exílio na Sibéria a posse, uso ou venda do tabaco.
No século XVIII, e por toda a parte, era já pacífica a vitória do tabaco. Em fins do século XIX, é inventada a máquina de fazer cigarros, que é a mais destrutiva forma de uso de tabaco, fazendo subir o consumo de milhões para biliões de cigarros. Companhias poderosas e sofisticadas campanhas de "marketing" expandiram o consumo do tabaco aos mais remotos lugares.
Não falta quem ao álcool e ao tabaco pretenda juntar no quadro das drogas legais o cânhamo da índia (cannabis sativa), também conhecido por "maconha, erva, haxixe, bengue, birra, fumo de Angola, pongo, soruma, etc.". Não falta quem invoque que os seus riscos não são maiores para a saúde do que os do tabaco ou do álcool, pelo que, e em bases iguais, deveria ser permitida.
As drogas legais não são inofensivas e as pessoas que (legalmente) as vendem não são de moralidade angelical. Já vimos que a ambição do lucro da Companhia das índias Orientais impôs à China o consumo do ópio, chegando a, para tal, à solução extrema da guerra. As companhias de tabaco, com agressivas e dispendiosas campanhas publicitárias, e evidente desprezo pela saúde pública, fomentam igualmente o consumo de tabaco. A grande chaga actual é ainda o alcoolismo, pois, embora sem a agressividade das drogas ditas duras, a sua divulgação e facilidade de obtenção, com grande enraizamento cultural, criaram milhões de alcoólicos.
Guerra da Mota
Advogado de Matosinhos
Notícia em: Jornal de Notícias (1997)
1 Comments:
eu nao entendo por que ninguém pôs um comentario...há tantos consumidores de canabis!!! será que lhes agrada a clandestinidade? por que nao se luta mais pela despenalização do uso? há um alto ingrediente perverso,nisso. Tal vez ao consumidor lhe caia bem a campanha que o culpa de financiar o crime...tudo isto é muito louco...
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